sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Preparação para as JMJ Catequese 2

JMJ e Palavra de Deus

1.º Encontro

Mensagem

«―Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir” (Lc 4, 21). Foi assim que Jesus comentou o texto de Isaías que acabara de ler na Sinagoga de Nazaré, no arranque da sua actividade de anúncio do Reino de Deus (Lc 4, 18-19). Daí em diante Ele iria realizar, de um modo até então nunca visto, a palavra de Deus contida na parte já escrita da Bíblia (o Antigo Testamento). Porquê este lugar central da Bíblia na vida de Jesus? – Entre outras razões, porque ―nos Livros Sagrados, o Pai que está no Céus vem carinhosamente ao encontro dos Seus filhos para conversar com eles (Dei Verbum 21). Quer dizer que só podemos encontra-nos com Ele e com Jesus, lento atentamente o que nos dizem na Sua Palavra escrita, no preciso momento em que a lemos. Queira Deus que, após essa leitura, também cada um de nós possa dizer: Cumpriu-se hoje mesmo a palavra da Escritura que acabo de ler».

† Anacleto Oliveira, Bispo de Viana do Castelo

Experiência humana

Também será útil procurar e marcar os seguintes textos bíblicos: Ez 2, 9-3,3; Is 55,2; Ap 10, 8.10; Sl 118 (119)

Todos nós temos a experiência do carácter ambíguo das palavras: por vezes, elas afastam os outros de nós, mesmo se não era essa a nossa intenção. Outras vezes, são capazes de trazer a paz aos corações em guerra. Algumas vezes são duras como pedras, outras vezes são como uma carícia. O poeta chileno Neruda escreveu «são as palavras que cantam, que sobem e descem; inclino-me diante delas… amo-as, abraço-as, persigo-as, mordo-as, derreto-as… brilham como pedras de cores, saltam como peixes… tudo está na palavra». É oportuno encetar aqui provocar o diálogo entre os jovens sobre o valor que uma palavra pode ou não ter em determinadas circunstâncias; convidá-los a partilhar qual foi a palavra mais dura ou mais suave que alguma vez disseram ou receberam; desafiá-los a pensar em situações em que «ficamos sem palavras» e outras onde as palavras «fogem-nos da boca». Pode ser interessante levantar a polémica sobre o facto de o nosso pensamento ser ou não construído com palavras (não têm som; mas as nossas ideias constroem-se com palavras…?!)

Palavra de Deus

Esta condição omnipresente da palavra pode ajudar-nos a compreender que é a comunicação complexa de que somos capazes (a linguagem que não é apenas oral, mas também gestual…) aquilo que faz de nós seres humanos. De facto, não há forma de viver sem comunicar ou, pelo menos, não há vida verdadeira sem comunicação, sem palavra. Em certo sentido, a palavra é nosso instrumento na busca do sentido da vida e se dizemos tudo isto da palavra humana, o que não diremos da Palavra de Deus? Ela – a palavra de Deus consignada na Bíblia - é o sustento da vida da Igreja e de cada crente. A vocação do profeta Ezequiel contém a este propósito um episódio muito curioso. Lê-se assim no texto bíblico: «Olhei e vi avançando para mim uma mão, que segurava um manuscrito enrolado, que foi desdobrado diante de mim: estava coberto com escrita de um e de outro lado […] E disse-me: Filho do homem, falou-me, come o rolo que aqui está, e, em seguida, vai falar à casa de Israel‘. Abri a boca, e ele mo fez engolir. Filho do homem disse-me ainda -, nutre o teu corpo, enche o teu estômago com o rolo que te dou‘. Então comi-o, e era doce na boca, como o mel» (2, 9—3,3). A experiência que o profeta relata está cheia de símbolos de grande beleza. O manuscrito enrolado e desdobrado indica a mensagem de Deus que é dada a conhecer: é uma mão que se aproxima de Ezequiel com o rolo. Isto é, a Palavra de Deus vem ao nosso encontro na Bíblia, proclamada e meditada na Eucaristia, na catequese, na pastoral da Igreja. É uma palavra completa sobre o sentido da vida (o rolo está escrito de ambos os lados) mas isso não significa que é um livro de receitas: a leitura fundamentalista da Bíblia que praticam algumas seitas não respeita a própria Escritura porque ela é Palavra de Deus e palavra dos homens e, por isso, carece de interpretação. Essa Palavra – como a Ezequiel – é-nos dada mas requer também trabalho da nossa parte: deve ser mastigada, engolida, digerida. Porventura muitos cristãos estão acostumados a receber a Palavra de Deus de forma passiva: escutam sem questionar-se, à espera de que alguém «lhes explique» o seu sentido mas não se esforçam por contrastar as palavras da Bíblia com a sua própria vida, não as levam para a casa, não as guardam no coração e na mente até elas falarem bem alto no íntimo.

«Nutrir o corpo e encher o estômago com o rolo» implica deixar que a Palavra de Deus impregne o nosso modo de pensar e de viver e modifique o nosso agir. O corpo é símbolo e realidade de cada segundo da nossa vida, assim pois «nutrir o corpo» significa que «as palavras da Escritura devem ficar gravadas na nossa carne», não a modo de tatuagem, superficial, mas a modo de proteínas que os nossos tecidos absorvem e com as quais se fortalecem.

Muitos cristãos conservam uma imagem errada da leitura da Bíblia; a maior parte das vezes isso deve-se ao simples facto de nunca a terem aberto tempo suficiente como para lhe apreender a riqueza humana e espiritual que contém. O profeta Ezequiel afirma que o rolo «era, na boca, doce como o mel». Ou seja, que o contacto com a Bíblia satisfaz de verdade a sede e a fome de sentido; além de toda a sua beleza literária e de ser o húmus em que se criou a cultura ocidental (Um grande especialista do nosso tempo – G. Ravasi – chamou-lhe «o grande código ocidental»). O profeta Isaías escreveu: «se me ouvirdes, comereis excelentes manjares, uma comida suculenta fará as vossas delícias» (55,2).

O texto profético de Ezequiel é recapitulado no Novo Testamento, no livro do Apocalipse (10, 8.10). Aí pode ler-se que «a voz que ouvi do céu falou-me de novo, e disse: Vai e toma o pequeno livro aberto da mão do anjo‘ […] Tomei então o pequeno livro da mão do anjo e comi-o. De facto, na minha boca tinha a doçura do mel, mas depois de o ter comido, amargou-me nas entranhas». Ou seja, a palavra da Escritura compele para a mudança de vida, para a conversão do coração e, muitas vezes, essa mudança é dolorosa como a experiência de dor dos adolescentes durante o crescimento físico. Essa amargura que provoca a Palavra de Deus pode ser como que uma «azia espiritual», uma tristeza profunda por ver que tantos desconhecem ou, conhecendo, ignoram a vontade de Deus que lhes pode dar alegria e luz. Aquele/a que descobriu esta riqueza e doçura não a pode guardar para si! Tem de levá-la aos outros porque também foi mandado a Ezequiel: «vai falar à casa de Israel» (3,1) e ao autor do Apocalipse: urge que profetizes de novo a numerosas nações, povos, línguas e reis (10,11).

A Bíblia não é, pois, um conjunto de prescrições morais e de «histórias religiosas» nem apenas um testemunho literário de grande valor. Ela contém (Dei Verbum, 9) as palavras que Deus quis dar-nos a conhecer e isto significa não apenas a Sua vontade a nosso respeito mas sobretudo, e por consequência, o caminho para a nossa felicidade e vida plenas. O Salmo 118, 9 diz mesmo: «como poderá um jovem manter puro o seu caminho? Observando as tuas palavras».

Expressão de fé

Convidar os jovens a, em breves momentos, identificar e anotar algumas obras de arte, de literatura, alguns costumes ou ditados populares, expressões sociais ou culturais inspirados na Bíblia. Outro grupo pode construir um acróstico, isto é, um conjunto de frases ou palavras que comecem – cada uma – pelas letras da palavra Bíblia; por ex., Bom é poder ouvir as Tuas Palavras; Instruem-me a todo o momento ou… Bondade; Inteligência…, etc. No termo desta actividade, recitar alternadamente os vv. 1-20 do Salmo 118, o mais longo da Bíblia, construído também ele sob a forma de um acróstico com todas as letras do alfabeto hebraico. No fim, recordando-o texto de Ezequiel, canta-se o «Tenho que gritar, tenho que anunciar…» (inspirado também ele num outro profeta, Jeremias, vd. 1,5ss) Para um maior aprofundamento do tema e da figura do profeta Ezequiel, pode entregar-se aos jovens o texto dos capítulos 34, 36 e 37 de Ezequiel para a leitura, meditação e oração pessoal.

JMJ e Palavra de Deus

2.º Encontro

Experiência humana

Propomos uma actividade muito simples que pode ser feita com um pequeno aparelho de som com gravador ou com um telemóvel que permita gravar e reproduzir as gravações ou mesmo sem estes instrumentos se não for de todo possível. No primeiro caso, pedem-se a vários jovens do grupo para gravar a frase «quando ouças esta gravação, quero que te lembres de mim e digas o meu nome». Convém que sejam vozes femininas e masculinas, agudas e graves, com ou sem sotaque. Depois, reproduzem-se as gravações em ordem aleatória e pede-se aos outros elementos que identifiquem os autores. No caso de não haver nenhum aparelho de gravação, pede-se a um grupo de cinco jovens (mais ou menos) para dizer a frase e outros cinco para tentar imitar algum dos primeiros. Ao grupo cabe tentar descobrir quem imita quem.

Palavra de Deus

Os entendidos da Fonética (ciência que estuda a voz humana) dizem que não há duas vozes humanas iguais em todo o mundo; como tantas outras coisas, a nossa voz é uma assinatura única. Por vezes, as pessoas não são capazes de recordar com exactidão as palavras que ouviram mas não esquecem o tom e a ênfase com que elas foram ditas. No entanto, a voz é um instrumento da mensagem pois até a sua forma exprime um conteúdo. Algumas pessoas portadoras de deficiência não conseguem formar vocábulos nítidos ou inteligíveis mas a sua voz é também um instrumento de comunicação que serve a mensagem que precisam transmitir. Um dia, Santo Agostinho disse que «São João Baptista era a voz que clamava no deserto, destinada a passar, mas a mensagem que servia é o próprio Jesus Cristo, o Verbo de Deus. De facto, após dizer aquilo para que foi missionada, a voz cala-se e não se ouve mais mas permanece a sua lembrança e a sua mensagem». Jesus Cristo é, nas palavras de São João Evangelista (1,14) «o Verbo [que] se fez carne e acampou entre nós». De facto, a Palavra Eterna e Infinita de Deus, Deus dado aos homens, o Emanuel que celebramos no Advento e no Natal, é Jesus Cristo. Ele é a Palavra de Deus por quem tudo foi criado e que tudo sustenta. Jesus Cristo é pois a Palavra de Deus e São Jerónimo escreveu um dia que «desconhecer as Escrituras é desconhecer a Cristo […] é nosso dever conhecer as veias e carnes da Escritura […] creio que o corpo e sangue de Cristo». De facto, a Bíblia não é uma]mesmo[Evangelho é o comunicação fria e intelectual sobre Deus mas a entrega da Sua vida latente na Sua Mensagem.

Em Jesus Cristo, Deus fez-se próximo e presente! Iremos escutar o trecho completo de São João na Eucaristia de Natal. Ao dizer que «o Verbo acampou entre nós», o mais jovem dos evangelistas estava a dizer que a Arca de Aliança, que no Antigo Testamento era o lugar da presença e morada de Deus, a nova e definitiva Arca de Aliança, lugar de encontro de Deus com a humanidade é o próprio Jesus Cristo. N‘Ele se realizaram as Escrituras: ―cumpriu-se hoje esta Palavra que acabais de ouvir. O encontro com Jesus Cristo hoje é, para nós, mediato (não é imediato porque não convivemos com Ele fisicamente pois separam-nos da sua vida terrena o tempo e o espaço) e o acesso a Ele só pode ser através dos Sacramentos, mormente da Eucaristia, da Bíblia, da comunidade cristã e do «sacramento dos pobres» (Madre Teresa de Calcutá). A Bíblia ocupa um lugar especialíssimo porque ela é mais do que um livro, mais do que um conjunto de livros: ela é o lugar do diálogo de Deus com a humanidade e da humanidade com Deus. É preciso que as palavras da Escritura encarnem, em nós, ou melhor, que nós as encarnemos e as vivamos profundamente. Por isso, no seu texto, Dom Anacleto Oliveira convida-nos e faz o voto de que «após a leitura [da Bíblia], queira Deus que também cada um de nós possa dizer: Cumpriu-se hoje mesmo a palavra da Escritura que acabo de ler». Nesta lógica da importância e centralidade da Palavra de Deus na vida do cristão, a Igreja chega mesmo a dizer e reconhece que «sempre venerou as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor» (DV 21).

Numa Mensagem ao Povo de Deus (2008), os Bispos reunidos com o Papa no Sínodo sobre a Palavra de Deus escreveram que «a voz da Palavra é a Revelação de Deus» contida na Bíblia e que excede a própria Bíblia, «o rosto da Palavra é Jesus Cristo», «a Casa da Palavra é a Igreja» e «os caminhos da Palavra é a Missão» de anunciar Deus à humanidade. E, muito recentemente, o Papa Bento XVI escreveu «os jovens são membros activos da Igreja e representam o seu futuro. Muitas vezes encontramos neles uma abertura espontânea à escuta da Palavra de Deus e um desejo sincero de conhecer Jesus. […] Esta solicitude pelo mundo juvenil implica a coragem de um anúncio claro; devemos ajudar os jovens a ganharem confidência e familiaridade com a Sagrada Escritura, para que seja como uma bússola que indica a estrada a seguir. Para isso, precisam de testemunhas e mestres, que caminhem com eles e os orientem para amarem e por sua vez comunicarem o Evangelho sobretudo aos da sua idade, tornando-se eles mesmos arautos autênticos e credíveis» (Exortação Verbum Domini de 30 de Setembro de 2010).

Expressão de Fé

Para encerrar o encontro, podem convidar-se os jovens a visitar a Igreja e identificar o «trono» ou «mesa» da Palavra de Deus, o «Ambão», ou seja, a estante ou imóvel litúrgico donde se proclamam os textos bíblicos na Eucaristia e nas orações. A beleza de algumas destas peças revelam só por si o valor que se concede à Palavra (nalgumas igrejas, as condicionantes do espaço não permitiram reproduzir as dimensões dos antigos púlpitos - que eram um local privilegiado de anúncio da Palavra – nos novos ambões. A referência aos púlpitos – previstos aquando da construção primitiva de muitas igrejas e hoje em desuso pois não correspondem às exigências da liturgia – também pode ser ilustrativa de como a concepção arquitectónica antiga e primitiva de muitos templos cristãos veneravam a Palavra divina). No mesmo Ambão, pode proclamar-se – inclusive a partir do Leccionário utilizado na Missa de Natal – o texto de João 1, 1-16. O animador pode recordar como uma parte considerável (a primeira) do tempo da Eucaristia (e de quase todos os sacramentos, aliás, de todos na teoria) é dedicado à leitura, meditação e celebração da Palavra de Deus; recorde também que nas JMJ as chamadas «catequeses com os Bispos» são temas de reflexão, de cunho bíblico, que ocupam três dos seis dias das Jornadas e que antecedem o Encontro com o Santo Padre.

Convide ainda cada um a ler todos os dias um texto bíblico, se possível em harmonia com aqueles que são lidos na Igreja quotidianamente, através, por exemplo, dos sites www.evangelhoquotidiano.org ou www.lugarsagrado.com ou passo-a-rezar.net No fim, cante-se o «Queres saber de que cor?» e entregue-se aos jovens um cartão com estas palavras do Sínodo dos Bispos já citado:

«Façamos silêncio para escutar com eficácia a Palavra do Senhor e mantenhamos o silêncio após a escuta porque continuará a habitar em nós e a falar-nos. Façamo-la ressoar no princípio de cada dia, para que Deus tenha a primeira palavra e deixemo-la ecoar em nós durante a noite, para que a última palavra pertença a Deus…»

Cortesia:http://www.lisboajmjmadrid.com/2a_Cateq_-_JMJ_e_Palavra_de_Deus.pdf

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